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APROPRIAÇÃO, MODIFICAÇÃO E IDENTIDADE. 3 escolas para a Parque Escolar

4/15/2014




Numa entrevista à dupla de arquitectos Herzog & de Meuron, Philip Ursprung questionava-os qual era o significado do conceito de apropriação no trabalho do atelier. Para eles é um conceito fundamentalmente diferente da "tabula rasa", e diferente da abordagem modernista, mas não no sentido anti ou pós-moderno. É uma apropriação no sentido de adoptar estilos, formas de conduta e modos de funcionamento fazendo uso do mundo existente.



Acerca da decisão do que é mantido da pre-existência ou do que é eliminado a abordagem de Herzog & de Meuron é mais próxima de Viollet-le-duc, misturado com um processo de artes marciais como o Aikido, usando a energia do oponente para ganhar vantagem. Preservar o máximo possível de um edifício só faz sentido para eles se tiver qualidades excepcionais ou se a demolição, por razões técnicas, financeiras ou políticas, não for possível. Se houver uma resistência de qualquer tipo, não vale a pena oferecer qualquer oposição heróica. Faz mais sentido integrar os elementos dados nas nossas próprias ideias. 

Li esta entrevista em 2008, quando iniciávamos o primeiro de 3 projetos de renovação de escolas secundárias para a empresa pública portuguesa a Parque Escolar, primeiro a ESL e mais tarde a ESA e a ESCM. As questões de apropriação tais como Herzog & de Meuron as abordam enquadravam-se na nossa visão na altura, como método mais adequado para a intervenção. 

O programa de renovação das escolas secundárias portuguesas, designado por Parque Escolar, constituiu um momento ímpar para a Arquitetura e Engenharia Portuguesa, que dificilmente será repetido nos anos mais próximos. Tendo por base uma alteração legislativa que implicava uma necessidade de duplicação da capacidade das escolas secundárias, juntando a isso uma política europeia de incentivo ao investimento público forte, como forma de dinamizar a economia, que começava a dar sinais de fraqueza, o programa de renovação das escolas secundárias assumiu a liderança dos projetos elegíveis à obtenção de fundos europeus. 

O programa foi aprovado pela resolução de Conselho de Ministros 1/2007, com a missão de modernizar os edifícios escolares, abrir as escolas às comunidades e criar um modelo de gestão para conservação e manutenção de todos os edifícios ao longo da sua vida útil. 

A consequência mais visível da junção destes fatores foi a quantidades de escolas que foram integradas no programa num espaço de tempo extremamente curto, o que permitiu a realização de um retrato do momento, ainda que parcial, da arquitetura portuguesa. Mesmo partindo de uma base de trabalho já bastante desenvolvida pelos técnicos do Parque Escolar, são actualmente perceptíveis as diferentes abordagens de cada equipa, das composições adotadas, das soluções técnicas, dos recursos estilísticos e da organização dos programas. 

O nosso primeiro projeto foi a Escola Secundária de Lousada (ESL) em 2008 e enquadrava-se nas escolas da 2.ª fase do programa, depois da construção das escolas piloto, onde se começaram a fazer os primeiros testes para a base do programa. 

Os modelos de base das escolas dos projetos que fizemos eram de esquema 3x3 pavilhonar e não eram particularmente relevantes ou interessantes. A sua recuperação integral criava mais entropia do que uma mais-valia no projecto. Nos três casos a utilização parcial dos edifícios, fundamentalmente elementos estruturais e algumas fachadas, propiciavam sobretudo alternativas de implantação mais interessantes e diversas, com geometria, ritmo e regras de composição de conjunto, usando a topografia e o contexto como elementos diferenciadores. 

Mas eram sobretudo as questões de apropriação de um património imaterial que mais nos interessavam. Estávamos perante escolas tipo que proliferaram pelo país, mudando a configuração conforme a topografia e a configuração do terreno, fortemente desconectadas da sua relação com o contexto.

Tivemos particular interesse na ideia de evolução de uma escola tipo para uma escola identitária, baseada no contexto de inserção urbana, na percepção da escola enquanto elemento simbólico nas suas características mais relevantes e de um entendimento geral de um corpo dirigente de cada escola, que tinha ideias claras sobre o modo de funcionamento da escola e da imagem que devia transmitir. 

Pretendíamos que este processo de concepção gerasse edifícios com um código próprio, como ADN, algo de individual e único; Identidade ou personalidade. 

Nos primeiros contactos com as escolas pedíamos às pessoas para descreverem o que era a sua escola, ou o que deveria ser. De certa forma todas gostavam de afirmar a sua individualidade, apesar de algumas conseguirem ser mais precisas, noutras percebe-se nas pequenas preocupações como queriam que a escola funcionasse. 

Na ESL havia um carinho especial pela vegetação, pelas árvores, na ESCM por uma imagem de uma certa cultura de tecnologia, luz e amplitude visual e na ESA a ideia de rigor e de que a escola ainda continuava a ser uma referência e símbolo na cidade. Sentia-se que estas associações estavam intimamente ligadas ao contexto e às pessoas. E por isso edifícios iguais já eram de certa forma escolas diferentes. 

Apesar das escolas partilharem um modelo funcional idêntico, proposto pela Parque Escolar, o resultado final dos projetos foi muito diferente no seu ambiente e composição formal, porque se pretendia evidenciar a diferença entre as escolas, na sua natureza e identidade. As escolas passaram a ser, depois da intervenção, um modelo híbrido entre uma escola compacta e um modelo pavilhonar, uma vez que mantiveram, parcialmente, o princípio de autonomia dos blocos, que se interligavam através de corredores que ocupam espaços intersticiais, num modelo de circulação em espinha. 

Em todos os modelos existiu o princípio de um percurso principal que a Parque escolar intitulava de " rua do conhecimento" e que para nós era um elemento de continuidade em toda a escola, criando o " percurso arquitectural" em "circuito fechado". É um elemento que mantém sempre as mesmas características em todo o projecto, de cor, materiais e organização, implantando-se como uma entidade própria. Esta solução permitiu que se trabalhasse os interiores de forma autónoma, uma vez que se pretendia que existisse uma sensação de transição entre elementos diferentes, de certa forma percebendo-se as relações preexistentes. 

À excepção de algumas áreas em particular, as escolas tiveram um princípio de organização comum. Nos pisos superiores localizavam-se as principais áreas lectivas e nos pisos térreos as áreas de abertura à comunidade e de alunos, uma novidade importante no programa proposto para as novas escolas. 

Formalmente o que distingue as três escolas é o modo como os espaços intersticiais dos blocos existentes foram ocupados e de como isso interferiu nos limites do edifício. Em Lousada esse limite é uma pele em chapa distendida que cria uma transição mesclada entre a envolvente, a vegetação e o núcleo do edifício, tornando o limite do edifício mais delicado. Em Arouca uma das referências para o modelo foi a forma de ligação com o terreno como no mosteiro de La Tourette, em que o limite de implantação se mistura com o terreno, sobrepondo-se. Mas ao nível da plasticidade o trabalho de fachadas procurou mais as texturas de Breuer. Em qualquer caso há um certo carácter de imponência devido ao seu volume ser bastante regular, contrastando com duas construções anexas mais expressivas formalmente. No Castêlo da Maia libertou-se propositadamente os espaços entre os blocos, criando uma noção de campus em alternativa à noção de um edifício único, embora na realidade seja um único edifício, que se apoia “suspenso” nos blocos existentes. 

Mas o mais interessante para nós é que o resultado formal distinto das três escolas resultou do entendimento entre funcionamento, contexto e espírito. Processo especialmente empolgante porque foi pensado e concretizado num período de tempo muito curto, o que em circunstâncias normais, para programas exactamente iguais deixaria que os “contaminantes formais” ditassem a natureza mais visível dos projetos. Este facto é particularmente importante quando confrontando com outras propostas que, deliberadamente ou inconscientemente, adoptaram pela abordagem oposta.


Imagens de cabeçalho 
modelos e esquemas dos projetos ESL, ESA e ESCM © arquivo atelier carvalho araújo

© joel moniz 2014

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